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Linux, Unix, BSD
Quinta - 09 de Agosto de 2007 às 12:20
Por: Luiz Celso

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O finlandês Linus Torvalds tinha apenas 22 anos quando, em 1991, decidiu compartilhar com amigos e programadores o sistema operacional que havia criado: o Linux. Aquele estudante de ciência da computação da Universidade de Helsinque não imaginava a reviravolta que aquela decisão iria deslanchar no mundo da TI. Nesta entrevista exclusiva feita por e-mail, o guru da comunidade do Software Livre revela as razões que o levaram a abrir seu código-fonte, afirma que a Microsoft é irrelevante e que o futuro pertence ao Código Aberto.

COMPUTERWORLD – O que pretendia quando liberou o Linux pela primeira vez ao público em 1991? Foi por dinheiro?
Linus Torvalds – Certamente não foi por dinheiro, já que o copyright original era muito específico com relação a isso. Não era a GPLv2 (General Public License versão 2, a licença usada pelo sistema operacional livre GNU/Linux), mas a minha própria licença: “não custa dinheiro algum, mas você é obrigado a devolver o seu código-fonte”.

CW – Então foi por fama ou por diversão? Você imaginava a revolução que iria desencadear?
Torvalds - Não, jamais pensei que o Linux se tornaria tão grande e popular como é hoje, por isso também não foi pela fama. Gostaria de dizer que foi por diversão, e essa é provavelmente a definição mais próxima da verdade, mas seria mais apropriado explicar porque eu gostaria que tivesse sido por diversão. O release propriamente dito não foi algo particularmente divertido, mas o que no fundo eu estava atrás era de feedback e de comentários.

Quando liberei o Linux no outono de 91 (mais precisamente, em 17 de setembro de 1991), eu já vinha programando ao longo de uma boa parte da minha vida, e o fazia por diversão. Mas costumava ter um grande problema programando, qual seja encontrar algo que me empolgasse. Produzi alguns games, mas no fundo nunca me interessei muito em jogar games, portanto na maior parte do tempo eu estava procurando algo interessante, um projeto que fosse relevante para mim, por isso continuei programando.

É nesse ponto que aconteceu o “release público”. Eu esperava que as pessoas me contassem o que achavam que precisava de aprimoramento e o que era bom, tornando assim o projeto mais interessante para mim. Se eu não o tivesse tornado público, provavelmente teria continuado a usá-lo eu mesmo, e acabaria por procurar um novo projeto no qual trabalhar. Mas o que aconteceu foi maravilhoso. Estou trabalhando com o Linux há 16 anos e ele ainda me empolga, exatamente porque o tornei disponível ao público e pedi seu feedback.

Só a título de uma nota de rodapé: o “release público” aconteceu em parte porque era a coisa mais natural a fazer. Exatamente porque eu jamais planejei fazer um release comercial – não foi por isso que comecei a trabalhar no Linux nem é o tipo de coisa que me empolga – e porque usava programas de código-fonte aberto, era a coisa mais natural a fazer. Por tudo isso, não foi de fato uma grande decisão. Havia uns conhecidos que estavam interessados em sistemas operacionais, portanto torná-lo público era o mais óbvio a fazer.

CW – Como é que o Linux enquanto produto foi beneficiado pelo release?
Torvalds – Bom, muito claramente, caso não o tivesse tornado público, teria sido apenas mais um dos meus pequenos projetos, sendo usado nas minhas máquinas, mas eventualmente teria sido deixado de lado sob um argumento do tipo: “é uma projeto bacana, mas deixa eu ver o que mais posso fazer”. O Linux não teria ido a lugar algum não fosse a abertura do código-fonte.

Considero que a mudança para o GPLv2 (com relação à minha licença original) foi importante, pois os interesses comerciais que estavam em jogo eram muito importantes desde o início. Mesmo no início de 92, já existia uma pequena distribuição comercial (via hobistas) que era no fundo um serviço de cópias baratas em discos flexíveis, aonde indivíduos interessados que estavam envolvidos decidiram que seria melhor tentar espalhar a idéia ao mesmo tempo em que ganhavam um dinheirinho. O fato de que eu, em particular, não estava interessado nisso, é irrelevante.

O fato é que desde o início interesse comercial era muito importante. As distribuições comerciais foram o que atraiu um monte de ótimos instaladores, e forçou as pessoas a melhorar a usabilidade. Por isso acredito que os usuários comerciais do Linux têm sido muito importantes para aprimorar o produto. Eu sei que todo o pessoal técnico envolvido tem sido de enorme importância, mas penso que o tipo de uso comercial que se pode obter com o GPLv2 também é importante – é preciso manter um equilíbrio entre a tecnologia pura e as necessidades que os usuários trazem através do mercado.

Se tivéssemos optado apenas por uma opção mercadológica ou puramente voltada ao consumidor, acabaríamos no final com uma tecnologia que seria um lixo. Da mesma forma, acredito que algo que fosse somente desenvolvido pelo povo da tecnologia acabaria igualmente num lixo tecnológico. É preciso manter esse equilíbrio. Existe um monte de fanáticos por software livre achando que tudo se resume nos desenvolvedores, e que interesses comerciais são “do mal”. Isso é estúpido. Não se trata apenas dos desenvolvedores individuais, mas de todos os diversos interesses sendo trabalhados em conjunto. Os desenvolvedores têm seus próprios interesses e motivações (“tecnologia melhor”) e o povo do marketing e relações públicas tem outros (dinheiro), mas o melhor sistema é aquele que permite a todos estes interesses trabalharem atraindo a tecnologia para o seu lado. O que sobra no fim é equilibrado.

CW – Muitos programadores fizeram milhões com as novas tecnologias, mas você preferiu permanecer desenvolvendo o Linux. Não acha que perdeu a chance de uma vida ao não criar um sistema proprietário?
Torvalds – Não, de verdade. Em primeiro lugar, eu vivo muito bem. Tenho uma casa de um bom tamanho e com um belo jardim, onde de vez em quando cervos surgem para comer as rosas (minha mulher prefere as rosas, eu prefiro os cervos, mas no fundo nós não ligamos pra isso). Tenho três filhos e sei que posso bancar a educação deles. Do quê mais eu preciso?

O ponto é o seguinte: um bom programador ganha bem. Um sujeito conhecido mundialmente ganha ainda melhor. Eu simplesmente não preciso criar empresa nenhuma. Além de esta ser a coisa menos interessante que eu possa imaginar para fazer. Eu ODEIO papelada. Jamais poderia tomar conta de empregados mesmo que tentasse. Uma companhia que eu criasse jamais teria sucesso – eu simplesmente não estou interessado! Então, ao invés disso, eu tenho uma boa vida, faço algo que realmente me interessa e que ao mesmo tempo faz a diferença para as pessoas, não só pra mim. E isso me faz bem.

Portanto, acho que teria perdido a chance de uma vida se NÃO tivesse tornado o Linux largamente disponível. Se tivesse tentado torná-lo comercial, ele jamais teria se saído tão bem, nunca teria sido tão relevante, e provavelmente eu estaria estressado. Estou muito feliz com as minhas opções de vida. Eu faço o que me importa e sinto que estou fazendo a diferença.

CW – Você não temia perder a propriedade intelectual quando liberou o Linux?
Torvalds – Eu não pensava nesses termos (e ainda não penso). Nunca se tratou de algo ligado à “propriedade individual”, mas ao esforço que havia despendido no projeto. Mas sim, eu fiquei um pouco preocupado, pois sendo um desenvolvedor totalmente desconhecido na Finlândia, alguém talvez decidisse pura e simplesmente ignorar minha licença, usar o meu código e não fornecer de volta suas modificações. Por outro lado, o que no fundo eu tinha a perder?

Além disso, olhando para trás, francamente, não é algo com o que valha a pena se preocupar. Em primeiro lugar, mesmo que eu fosse o cara mais esperto do planeta, e compilasse algo realmente brilhante, ainda assim levaria anos para fazê-lo. Em outras palavras, levaria muito tempo antes que o resultado valesse a pena para alguém roubá-lo. Portanto ao torná-lo público desde o início, não tinha que me preocupar com pessoas ou empresas que quisessem roubar o meu trabalho. E quando o código tornou-se algo valioso, o projeto já era suficientemente conhecido de modo que ninguém poderia fraudá-lo em larga escala sem ser pego. Em larga medida foi de fato a liberdade do projeto que garantiu a sua segurança.

Se existem pessoas usando o Linux sem respeitar a licença? Claro! O copyright não é algo necessariamente honrado em todas as partes do mundo, e existe gente inescrupulosa e empresas que agem deliberadamente fora da lei. São coisas que acontecem. Mas uma vez que o projeto se torna grande o suficiente para que estas coisas aconteçam, não há mais razão para se preocupar. Aqueles que fazem mal uso do projeto não estão limitando o acesso aos outros, mas a eles mesmos! Se alguém usa o Linux sem seguir o GPLv2, está limitando o seu próprio mercado. Não pode vendê-lo legalmente no mundo desenvolvido sem se preocupar com o lado legal, e não obterá a vantagem do código livre que as empresas que seguem a licença obtêm, isto é, ter seus aprimoramentos acrescentados ao produto. Esta era uma coisa que me preocupava antes de liberar o Linux, mas ao longo dos anos me dei conta que não valia a pena dar importância a isto. Existem gente e empresas sem escrúpulos? Sim, mas não são eles que fazem importam ou fazem a diferença.

CW – Quais são os benefícios do Linux para os usuários, sem falar no fato de não terem que pagar por ele?
Torvalds – A maior das vantagens tem muito pouco a ver com dinheiro, e tudo a ver com a flexibilidade do produto. Esta flexibilidade deriva do fato de milhares de outros usuários terem usado o produto e terem podido externar suas opiniões e tentar aperfeiçoá-lo.

Não importa se 99.99% dos usuários do Linux jamais irão fazer uma única modificação. Se existem alguns milhões de usuários, mesmo que 0,01% deles acabem se tornando desenvolvedores, isso terá muita importância. Mas francamente, mesmo aqueles que não são desenvolvedores acabam nos ajudando ao reportar problemas, fornecendo feedback. Ainda assim, alguns deles pagam pelo produto, podendo deste modo tocar empresas que, por conseguinte, têm o incentivo de contratar profissionais que querem desenvolver, criando um ciclo virtuoso.

É por isso que o fato de não ter que pagar pelo programa é uma pequena parte do todo – significa que ele é barato e fácil de experimentar, reduzindo para distância até o envolvimento. Mas a real vantagem é como o processo leva a um melhor modelo de desenvolvimento, e como isto por sua vez resulta num produto melhor! Mas sim, isso leva muitos anos. Programar dá muito trabalho, e montar toda a infra-estrutura para criar algo útil é inimaginavelmente difícil e custoso. Mas se você distribuir o trabalho entre milhares de desenvolvedores e centenas de empresas, a coisa funciona, e nenhum indivíduo ou companhia acaba tendo que pagar a conta.

CW – O que mais importa para você, a enorme base de desenvolvedores do Linux ou sua gigantesca base de usuários?
Torvalds – Não os vejo como entidades separadas. Penso que qualquer programa só é bom se for útil. Sendo assim, a base de usuários é a mais importante, porque um programa sem usuários perde todo o sentido. Hardware e software são puramente ferramentas. Não importa quão tecnicamente boa seja uma ferramenta, ela não significa nada até que alguém comece a usá-la de fato.

Mas não acho que exista uma diferença entre “usuários” e “desenvolvedores”. Nós todos somos “usuários”, sendo que certo tipo de “usuário” é também uma pessoa que faz coisas, e que gosta de programar. Um código aberto permite que tipos especiais de usuários façam coisas que de outra forma não fariam! Seriam eles usuários especiais que fazem as coisas mais importantes? Num certo sentido, sim. Mas para chegar neste ponto é preciso em primeiro lugar ser um usuário interessado. Daí porque uma base de usuários grande e variada é importante, de modo a obter uma base razoável e variada de desenvolvedores!

Quero salientar a importância desta variedade. Um monte de projetos tenta se especializar numa área tanto que apenas atraem um tipo específico de usuário, e por causa disso atraem apenas um tipo específico de desenvolvedor. Sempre achei que essa fosse uma má idéia. Fazer pontaria para um nicho específico significa criar uma base de usuários muito unilateral que acaba fornecendo decisões de projeto unilaterais, tornando a base de usuários ainda mais unilateral, criando um círculo vicioso.

Acredito que esta foi uma das coisas que destacou o Linux das diversas versões comerciais do UNIX. Estes tentavam buscar “usuários reais do UNIX”, enquanto o Linux funcionava mais na base do “qualquer usuário importa – tudo bem se você só usou DOS e programou em BASIC”. O resultado final tornou o Linux muito mais redondo. É por isso que os usuários são importantes, e que os desenvolvedores talvez sejam “mais importantes”, apesar de na realidade eles formarem um fenômeno secundário.

CW – O governo brasileiro está na linha-de-frente da promoção do software livre nas suas mais diversas instâncias. Você está a par disto?
Torvalds – Estou, embora não siga o assunto de perto. Funciona um pouco como os fornecedores comerciais. Acho muito importante ver todos estes diversos grupos de interesse envolvidos, mas eu pessoalmente sou motivado pela tecnologia e não quero me envolver diretamente com os interesses dos diferentes grupos.

Este é mais um exemplo da importância dos usuários, e como o código aberto permite aos usuários tomar suas próprias decisões ao se envolver com o desenvolvimento. Falando estritamente, um governo é apenas um outro usuário, e que tem o seu próprio conjunto de interesses e de motivações.

CW – Você colabora na divulgação do Linux e do software livre?
Torvalds – Não, realmente. Não sou um divulgador, um cara de tecnologia. No que me concerne, a beleza do código aberto está no fato de diferentes grupos poderem trabalhar nas partes que acreditam ser importantes, e isto é mais do que apenas tecnologia – trata-se de documentação, promoção, empacotamento, distribuição, ensino, etc.

Nações e governos têm as suas próprias metas e agendas, e o código aberto é um meio excelente de conseguir várias coisas: independência tecnológica (ou “co-dependência” – não se fica totalmente dependente de um único fornecedor ou de um ouro país que não seja confiável) e ter a certeza de que existe grande volume de manuais para entender a tecnologia.

Eu aprecio como o código aberto possibilita coisas assim, mas pessoalmente acabo me preocupando apenas com a tecnologia. Outros se preocupam e trabalham com os aspectos que consideram relevantes, e o resultado final (novamente) é uma infra-estrutura azeitada ao invés da visão de uma única pessoa ou empresa do que deve ser feito.

CW – O setor privado não está adotando o Linux e o software livre tão rápido quanto esperado. Por que será que tantas empresas ainda têm um pé atrás com relação ao uso do software livre?
Torvalds – Na verdade eu acho que o ritmo de adoção é bastante elevado, mas o que as pessoas de vez em quando não percebem é que existe uma enorme inércia na troca de sistemas operacionais. A Microsoft possui uma grande vantagem só graças à base histórica instalada. E nos servidores maiores, ainda continuam rodando UNIX. Essas coisas não levam um ano ou dois. São necessárias uma ou duas décadas. Tenho a vantagem de ter visto o Linux se desenvolver (e ser aos poucos adotado) nos últimos 16 anos, enquanto muitos outros usuários só olharam para os últimos anos – e creia em mim, caminhamos um longo percurso nesses 16 anos. O caminho à frente ainda é longo? Lógico. Existem inúmeras questões relacionadas à tecnologia e à infra-estrutura, assim como à percepção humana, que ainda precisam ser vencidas.

CW - A Microsoft declarou recentemente que programas livres como o Linux, o OpenOffice e alguns softwares de e-mail violam 235 das suas patentes (veja a revista Fortune, “Microsoft contra o mundo livre”, http://money.cnn.com/magazines/fortune/fortune_archive/2007/05/28/100033867/index.htm?postversion=2007051409) Mas a empresa afirmou que não irá processá-los, pelo menos por enquanto... Esta é a ponta do iceberg de um novo pesadelo legal?
Torvalds – Eu acho que este é mais um tiro na guerra do “FUD” (fear, uncertainty e doubt, ou medo, incerteza e dúvida, termo usado em qualquer estratégia voltada para causar insegurança nos consumidores de uma empresa com relação aos seus produtos). A Microsoft está passando por um mau bocado competindo pelo mérito tecnológico, daí tradicionalmente eles procuram concorrer no preço, mas obviamente esta estratégia também não funciona, não contra o código livre. Assim, continuam empurrando pacotes e vivendo da inércia do mercado, mas eles procuram alimentar a inércia com o FUD.

CW – Você está preparado para essa batalha? Será que Linus Torvalds e a comunidade do software livre podem vencer esta guerra contra as legiões de Bill Gates?
Torvalds – Não vejo isso como uma “batalha”. Faço o que faço porque gosto e acho que vale à pena, e não estou nessa por causa de nenhuma cruzada anti-Microsoft. Usei alguns produtos da Microsoft ao longo dos anos, mas nunca nutri uma forte antipatia contra eles. A Microsoft simplesmente não me interessa. E o movimento de código aberto não é um movimento anti-Microsoft, apesar de haver certos grupos que talvez participem devido aos seus sentimentos anti-Microsoft.

O código aberto é um modelo sobre como fazer coisas, e eu acredito que este é um jeito muito melhor de fazer as coisas. O código livre vai tomar conta do mercado não por causa de nenhuma “batalha”, mas simplesmente porque jeitos melhores de fazer as coisas eventualmente tomam o lugar de métodos inferiores.

Por acaso a “ciência” é uma batalha contra a “ignorância”? Não, a ciência simplesmente é. E ela funciona tão bem que assume o lugar de velhas noções ignorantes. Não precisamos nos preocupar com gatos pretos cruzando a nossa frente, passar por baixo de escadas ou espelhos quebrados, pois hoje sabemos como o mundo funciona, e nos demos conta de que gatos pretos não são mais um sinal de perigo.

CW – Uma questão polêmica que veio ao público em 2006 foi a parceria entre a Microsoft e a Novell para a interoperabilidade entre o Windows e o Suse Linux. Logo após a parceria ser anunciada, a Red Hat declarou que não iria “vender sua alma” como a Novell (http://computerworld.uol.com.br/mercado/2007/03/14/idgnoticia.2007-03-14.1193736593). Você acha que a Novell traiu os princípios do código aberto?
Torvalds – Achei toda essa discussão muito interessante, não por causa de nenhuma questão ligada à Novell versus Microsoft, mas porque as pessoas ao falar disso mostraram os seus próprios pontos-de-vista. A parceria por si só me pareceu algo sem o menor interesse, nada comparado à reação das pessoas e como tudo aquilo foi noticiado.

CW – Alguns analistas consideram estes tipos de acordos como positivos aos consumidores, além de popularizar o Linux. Isto porque os consumidores terão maior suporte dos fornecedores em termos de interoperabilidade e rodarão seus aplicativos melhor. Você concorda?
Torvalds – Não sei. Não sei como tudo isso vai acabar, mas acho que seria mais saudável para todo o mundo se não houvesse esse ódio mortal de ambos os lados com relação ao acordo Novell-MS. Já disse que a Microsoft não me interessa, mas parece que certas pessoas na Microsoft estão muito preocupadas com o código livre, e certas notícias idiotas como quando Steve Ballmer rotulou o código aberto de “câncer” simplesmente não ajudam (“O Linux é um câncer que, sob um ponto de vista de propriedade intelectual, ataca tudo o que toca”, Chicago Sun-Times, junho de 2001). Prefiro me ater à tecnologia. O mercado tomará conta de si mesmo. Fornecer aos consumidores o que eles querem é o modo para se progredir, e não tentar controlá-los ou espalhar propaganda enganosa.

CW – A Free Software Foundation (FSF) liberou a versão 3 da licença pública GNU (GPLv3). O que achou dela?
Torvalds – Pessoalmente considero que o GPLv2 é uma licença superior, mas cada um tem a sua própria opinião, e muitos projetos irão usar a GPLv3. De novo, não é nada de mais, temos cerca de 50 licenças diferentes de código aberto e o GPLv3 é só mais uma. Eu não uso a licença BSD, mais um monte de gente usa. Escolhe-se aquela que melhor nos convêm.

CW – É interessante notar que tecnologias abertas não-proprietárias como o Linux e a Web foram criadas na Europa, e não nos EUA, o país aonde “não existe almoço grátis”. Como você fez para se adaptar ao “American way of life”, onde você é respeitado pelo que você possui ou então pelo que representa, mas não pelo que sé. Não sente falta da Finlândia?
Torvalds – Na verdade eu gosto bastante dos EUA sob diversos aspectos. Tendo uma formação européia baseada em valores sociais, e conhecendo outros lugares do mundo, posso dizer que eu absolutamente detesto as políticas insanas do governo americano nos últimos sete anos, mas essa é uma digressão. Mudar-se da Finlândia pra cá não foi um grande choque – ser pai pela primeira vez foi uma mudança muito maior, e as duas coisas ocorreram mais ou menos na mesma época (minha filha mais velha tinha apenas dez semanas quando nos mudamos).

Ambos os sistemas possuem os seus lados bons. Vir da Europa fez com que fosse muito fácil para eu perceber que começar uma empresa seria uma tolice (pelo menos é o que eu acho), quando só estava interessado na tecnologia. Os valores sociais são mais fortes na Europa. Os americanos parecem “acreditar” que são mais espirituais, e certamente aqui tem um monte de gente que vai à igreja, mas em muitos aspectos as pessoas são quase que só voltadas para o dinheiro, e uma das coisas que eu menos gosto nos EUA são as suas desigualdades sociais. Uma das razões pelas quais eu hoje moro em Portland, no Oregon, é porque acredito que os valores sociais aqui são mais próximos dos da Europa do que em qualquer outro lugar nos EUA.

Ao mesmo tempo, a Europa é um pouco séria demais. Na Finlândia, quase todos os centros de alta tecnologia giram em torno da Nokia e dos celulares. Foi muito divertido viver no Vale do Silício por sete anos e participar daquela atmosfera maluca da tecnologia, aonde não havia apenas um objetivo, mas milhares de empresas fazendo coisas totalmente diferentes e tentando ganhar dinheiro. E ocasionalmente conseguindo em grande estilo.


Fonte: COMPUTERWORLD




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